Sete médicos do Distrito Federal foram presos em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público nesta quinta-feira (1º) em uma ação que apura a existência de uma organização criminosa formada por médicos e empresários que ganha dinheiro instalando órteses e próteses em pacientes que não precisariam. Foram 13 mandados de prisão e mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva.
Segundo a polícia, estima-se que cerca de 60 pacientes tenha sido lesados só neste ano apenas por uma empresa. De acordo com as investigações, o esquema envolvendo cirurgias desnecessárias, superfaturamento de equipamentos, troca fraudulenta de próteses e uso de material vencido em pacientes é “milionário”.
Existem casos de cirurgias sabotadas para que o paciente seja continuamente operado, gerando lucro para o esquema, dizem os investigadores. Os médicos também supostamente destinaram produtos vencidos para os pacientes, trocando produtos mais caros por mais baratos. Na casa de um deles, foram encontrados R$ 51 mil (veja vídeo). Em outras casas, foram achados R$ 100 mil, US$ 90 mil e cédulas em euros.
Ainda segundo a polícia, uma testemunha que tentou denunciar o esquema sofreu tentativa de homicídio. “Deixaram um fio-guia de 53 cm na jugular de uma paciente para matá-la.”
Os alvos da operação são sete médicos, dois empresários da empresa TM Medical (que faz manutenção e reparos de aparelhos hospitalares), um coordenador da Secretaria de Saúde, um diretor do hospital Home e funcionários. O diretor é um dos quatro alvos de mandados de condução coercitiva (quando o indivíduo é obrigado a comparecer à delegacia para depor). Um dos médicos tinha cheirado cocaína pouco antes de ser preso, informou a polícia.
Um funcionário do hospital Home relatou ao G1 que o pessoal da área administrativa – contabilidade, financeiro e de RH, por exemplo – foram dispensados. O atendimento aos pacientes continuou normalmente. Segundo ele, o dono do hospital não estava presente, e a ação policial pegou os trabalhadores de surpresa.
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho disse que, se as denúncias forem comprovadas, os médicos devem ser punidos severamente. “Essa prática de indicar procedimentos desnecessários e superfaturados expõe pacientes a risco e aumenta os custos de operação. Isso é ruim quando acontece no sistema público e também é quando ocorre no sistema privado, na medicina suplementar, pois o usuário acaba pagando um preço elevado.”
Próteses e órteses
Próteses são dispositivos usados para substituir total ou parcialmente um membro, órgão ou tecido. Órteses são utilizadas para auxiliar as funções de um membro, órgão ou tecido do corpo. De uso temporário ou permanente, as órteses evitam deformidades ou o avanço de uma deficiência médica. Um marca-passo, por exemplo, é considerado uma órtese implantada.
O processo de compra de marca-passos faz parte da série de denúncias apresentadas pela presidente do sindicato dos servidores na Saúde (SindSaúde), Marli Rodrigues, sobre um suposto esquema de desvio de verba na área.
Em um trecho do material encaminhado por Marli ao Ministério Público, ela relata ter recebido a informação de que o atual subsecretário de Infraestrutura e Logística, Marcello Nóbrega, rasgou uma nota de empenho (espécie de garantia de pagamento) sobre a aquisição do material.
O gesto ocorreu porque “o resultado da concorrência não teria agradado aos grupos políticos que gerenciam a área”. Em depoimento à CPI da Saúde, Nóbrega negou as acusações.
CPI da Saúde
O hospital Home é uma das prestadoras de serviços de UTI beneficiadas por emendas parlamentares suspeitas de terem sido liberadas em troca de pagamento de propina a deputados distritais. Ao todo, foram destinados R$ 5 milhões para a empresa no começo deste ano. A forma com que a Home e as outras empresas foram beneficiadas é investigada pelo Ministério Público, a Polícia Civil e a CPI da Saúde.
O GDF também liberou verba de emendas para os hospitais Santa Marta (R$ 11 milhões), Intensicare (R$ 5 milhões), Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (R$ 4,5 milhões), São Mateus (R$ 2,5 milhões) e São Francisco (R$ 2 milhões).
Desde 2009, a Home recebeu R$ 50,75 milhões em contratos públicos. Ao todo, foram R$ 44 milhões da Secretaria de Saúde, R$ 5,25 milhões do Fundo de Assistência à Saúde da Câmara Legislativa e R$ 1,44 milhão do Fundo de Saúde do Corpo de Bombeiros.
Esquema nacional
A fraude envolvendo órteses e próteses nacionalmente foi denunciada pelo Fantástico, da TV Globo. O assunto virou tema de uma CPI na Câmara dos Deputados. Em janeiro do ano passado, o programa mostrou que médicos indicavam cirurgias e o uso de próteses a pacientes mesmo quando não era necessário. Em troca, recebiam comissões de até R$ 100 mil das empresas fornecedoras.
“Na maior parte das vezes, os dispositivos médicos implantados são usados em situação de urgência e emergência. Muitas vezes o paciente não tem condição de avaliar o melhor caminho”, disse o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, em julho de 2015.
Um grupo de trabalho criado pelo ministério apurou que o mercado de produtos médicos movimentou 19,7 bilhões em 2014. Desse total, R$ 4 bilhões são relativos aos chamados dispositivos médicos implantados, que englobam órteses e próteses. A venda desses aparelhos aumentou 249% entre 2007 e 2014.
Chioro disse que a ausência de padronização, protocolos e um banco de preços criava margem para “comportamentos oportunistas” de especialistas, que têm total controle da escolha dos aparelhos.
O relatório encontrou diferenças de preços de implantes em regiões do Brasil e também no comparativo com outros países. Um marca-passo na região Norte, por exemplo, custa R$ 65 mil. No Sul, o preço cai para R$ 34 mil. Entre o Brasil e a Alemanha, a diferença no valor de implantes de cóclea é de quase seis vezes.
Nos hospitais, foi percebido que o médico ganha com comissão paga pelas empresas de dispositivos médicos. A prática é proibida pelos conselhos de medicina. Também foi apontado que hospitais comercializam esses produtos com margem de faturamento de 10% a 30%.
Fonte: G1