O cenário de inflação alta, crédito escasso e renda comprometida está fazendo a parcela da população brasileira que ascendeu para a classe C comprar menos nos supermercados neste começo de ano do que nos últimos seis meses. E a percepção para o primeiro semestre de 2015 não é nada animadora: o carrinho de compras deve continuar encolhendo. Estes são os primeiros resultados de uma pesquisa inédita, chamada O Bolso do Brasileiro, que o Instituto Data Popular, especializado na classe C, acaba de concluir.
Já segundo a Nielsen, empresa especializada em pesquisar hábitos dos consumidores, diante deste cenário de comprometimento de renda, endividamento e inflação, a classe C é a mais afetada em sua vida financeira, já que apresenta em média um gasto 15% superior à sua renda mensal. Levantamento recente da Kantar Worldpanel, outra companhia especializada em pesquisar as tendências de consumo, mostrou que as classes C e D/E já diminuíram em cerca de oito vezes o número de idas aos pontos de venda, enquanto a classe A diminuiu apenas quatro vezes.
Pela metodologia do Data Popular, as famílias da classe C têm renda média de R$ 2,9 mil e, nos últimos anos, passaram a consumir produtos e serviços antes inacessíveis. O levantamento foi feito entre os dias 18 e 29 de janeiro em 150 cidades do país e foram entrevistadas 3.050 pessoas.
DESCENDO UM DEGRAU
De acordo com a pesquisa, 47% dos entrevistados disseram estar comprando menos produtos no supermercado na comparação com os últimos seis meses. Outros 36% afirmaram que compram a mesma quantidade, e 12% responderam que estão comprando mais produtos. Os pesquisadores perguntaram aos entrevistados se nos próximos seis meses, pensando na condição financeira atual, eles esperavam comprar mais ou menos. Entre as respostas, 45% afirmaram que vão comprar menos; 36% disseram que vão comprar a mesma quantidade e 19% responderam que vão comprar mais.
— O brasileiro da classe C já percebeu que a inflação está comendo sua renda e que está sobrando menos dinheiro para o consumo. Em relação ao futuro, ele mostra desesperança, porque não vê perspectiva de melhora da renda e da situação da economia em geral. Para ele, a inflação deve continuar subindo, assim como os juros do cheque especial utilizado por eles. Ou seja, o brasileiro que já passou aperto em 2014 começa 2015 preocupado em não conseguir encher o carrinho — avalia Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Data Popular.
Para o economista Miguel Ribeiro de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o aumento dos impostos e o crédito mais caro e restrito afetam todas as classes, mas especialmente a classe C, que pode até encolher neste ano.
— Quando a situação econômica se torna mais difícil, e a renda disponível fica menor, essas categorias podem até cair um degrau (na ascensão social que tinham experimentado) —afirma Oliveira.
Meirelles, do Data Popular, ainda não vê um retrocesso na ascensão social dessa parcela da população, mesmo com a perda de poder aquisitivo. Ele explica que como o critério para definir classe social é o salário, enquanto o desemprego estiver em níveis baixos, não haverá mudanças.
— Enquanto o desemprego não aumentar, esse brasileiro que ascendeu não vai sair da classe C. Mas seu poder de compra diminui, com o aumento da luz, do aluguel e dos produtos em geral — diz o presidente do Data Popular.
Mas o emprego é exatamente o ponto crucial, destaca o economista Luiz Otávio Leal, do banco ABC Brasil. Na análise de Leal, tão importante quanto a inflação, sobretudo de alimentos e tarifas, o que pesa mais para a classe C, é o impacto do mercado de trabalho, que este ano deve ser marcado por uma queda real na renda:
— Neste ano, as discussões salariais vão se concentrar em repor as perdas, e o trabalhador ficará contente se conseguir manter o emprego.
Outra mudança sutil, esta constatada pela Kantar, é que mais pessoas estão priorizando as compras no início da semana, em detrimento dos finais de semana, para aproveitar as promoções, que se concentram entre segunda e quarta-feira.
Foi o que fez o casal Silvia Santana, de 51 anos, e Alexandre Domingos, de 43, donos de uma empresa de artesanato e costura de São Paulo. Os dois passaram a fazer a despesa do mês durante a semana para aproveitar os descontos. Aos sábados e domingos, só quando falta algum item essencial.
— Na medida do possível, trocamos as marcas mais caras por outras mais baratas. E nossa compra mais pesada é feita durante a semana quando os supermercados fazem as promoções — diz Domingos.
ADEUS, SUPÉRFLUOS
Já a aposentada Iara Palmiro, de 65 anos, moradora do Itaim Bibi, também na Zona Sul de São Paulo, foi mais radical e cortou alguns itens considerados supérfluos de sua cesta de compra.
— Em relação aos alimentos, o consumidor acaba trocando por uma marca mais barata. Setores como cosméticos, itens de higiene pessoal e moda, por exemplo, devem ter crescimento menor já que estes itens eram aspiracão da classe C — afirma Reinaldo Saad, sócio da área de bens e consumo da consultoria Deloitte.
Mas especialistas avaliam que, diante do orçamento mais apertado, não só o brasileiro da classe C, mas toda a população, deverá continuar mudando seus hábitos de consumo em 2015.
— A expectativa é de mais um ano ruim para a economia, com juros ainda elevados. Sem perspectiva de aumento de salário, e até de desemprego, a confiança do consumidor caiu 14,5% em janeiro. Ele evita tomar novas dívidas, posterga as compras mais caras e acaba mudando seus hábitos de consumo — diz o assessor econômico da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), Vitor França.
O economista da Fecomércio destaca que o brasileiro está com a renda mais comprometida com itens essenciais como conta de luz e água, transporte e aluguel, que ficaram mais caros nos últimos meses. Uma pesquisa do Datafolha também constatou que quase metade dos brasileiros (46%) vai consumir menos nos próximos seis meses, e 56% já vêm cortando despesas desde o segundo semestre de 2014. Significa que o consumo, que vinha puxando o crescimento da economia desde 2008, dará freada prejudicando ainda mais o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto dos bens e serviços produzidos no país). Não sem motivos, na média, os analistas de mercado preveem que a economia encolha 0,5% este ano. (Colaborou Clarice Spitz)
Fonte: O Globo | João Sorima