Tema é prioritário para o órgão que fiscaliza o setor; regulamentação será conduzida em etapas ao longo do ano
A regulamentação da Lei 15.040/2024, conhecida como Lei do Contrato de Seguro ou Marco Legal dos Seguros, é um dos temas prioritários que a Susep (Superintendência de Seguros Privados) vai tratar em 2025, segundo o plano de regulação para o ano aprovado pela autarquia federal responsável por fiscalizar o mercado de seguros no país. Após anos de debate, a lei foi sancionada no apagar das luzes de 2024 e agora o foco está na regulamentação, que será conduzida em etapas ao longo do ano.
De acordo com o superintendente, Alessandro Octaviani, o novo marco legal visa equilibrar as relações no setor e garantir maior transparência para consumidores e empresas. Entre as principais mudanças, ele destaca a definição de prazos para regulação de sinistros (ocorrência do risco previsto no contrato de seguro) e pagamento de indenizações, o que, segundo Octaviani, representa uma “revolução copernicana” no setor.
Entre os desafios da regulamentação, Octaviani destaca que a lei cria um microssistema jurídico específico para os contratos de seguro, tornando as regras mais claras e afastando interpretações divergentes. “Saímos daquele ambiente geral do Código Civil, com alguns pouquíssimos artigos referentes ao contrato de seguro, para uma lei muito mais robusta e específica”, diz o superintendente.
Próximos passos
Para garantir a adequação do mercado à nova legislação, a Susep irá revisar sua regulamentação, adaptando normas sem criar exigências extras. O processo será realizado por etapas, priorizando os temas que demandam maior adaptação do mercado.
Segundo a diretora da autarquia, Jéssica Bastos, a etapa atual é a de planejamento, ou seja, identificar o que será necessário mudar. O que deve entrar na ‘primeira leva’ da regulamentação, ou seja, das normas que deverão ser adaptadas à nova lei, são as que envolvem o mercado de seguro automóvel – um dos maiores segmentos do setor.
“Estamos fechando o planejamento do ano, mas entendemos que em alguns casos o mercado precisaria de mais tempo para se adaptar, como o seguro auto, por exemplo. Para mexer na norma de auto, precisamos mexer primeiro nas normas de seguros de danos, que são um pouco mais gerais, antes de ir para as específicas. É uma verdadeira orquestra que vamos ter que conduzir esse ano na Susep para fazer todos os instrumentos funcionarem ao mesmo tempo”, diz a diretora.
No caso do ramo de seguro automóvel, há também outra novidade: a recém sancionada lei das cooperativas de seguros. Essa nova legislação traz para dentro do guarda-chuva de fiscalização da Susep as associações de proteção veicular, aumentando a “concorrência” legal no segmento, e que também precisará de uma regulamentação que converse com as demais normas.
Apenas para se ter uma ideia, de janeiro a novembro de 2024, as receitas do mercado segurador totalizaram R$ 394,16 bilhões, um crescimento de 12,3% em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados da própria Susep.
Só o seguro auto arrecadou R$ 53,20 bilhões no mesmo período, linha de negócios responsável por 42,4% dos prêmios (valor pago pelo consumidor à seguradora ao comprar o seguro) dos seguros de danos no ano até o mês de referência. E isso porque o mercado estima que apenas 30% da frota automotiva brasileira tenha algum seguro.
Outro exemplo de nova exigência que o mercado precisará se adaptar é a divulgação de decisões arbitrais. Segundo Octaviani, no Brasil há uma regra na lei que determina como vão ser feitas as arbitragens envolvendo o mundo do seguro e do resseguro, que obriga que os termos das decisões sejam tornados públicos.
O papel da Susep será reunir as partes envolvidas no processo de arbitragem – seguradoras, segurados, resseguradores e as entidades que oferecem serviço – para informar que, a partir de agora, os contratos de seguro podem prever arbitragem em determinados termos e, especificamente, sobre a sua decisão final, “ter uma disciplina jurídica da publicidade”.
“Isso tudo é muito relevante porque senão, como aconteceu em outros países, as decisões vão sendo tomadas em arbitragem e não vão sendo conhecidas. O conhecimento sobre aquilo é muito importante, só que ao mesmo tempo nós temos que garantir o sigilo sobre aquelas partes e sobre pedaços daquele negócio. Isso só dá para ser feito chamando as entidades de arbitragem e organizando isso com eles”, acrescenta o superintendente.
Desafios
Para o advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), a regulamentação deve reforçar os avanços da lei e garantir que ela seja aplicada de forma eficaz.
“É importante que a lei não sofra diáspora semântica nesse momento, que mantenha a unidade tal como já vem e que ainda os direitos do segurado que são garantidos como regime geral sejam ainda mais bem especificados conforme o caso”, comenta o advogado.
Na avaliação de Tzirulnik, a regulamentação da Susep deverá olhar primeiro para normas ligadas aos questionários das seguradoras, pagamentos e prazos da regulação de sinistro (ocorrência do risco previsto no contrato de seguro, como um acidente ou roubo do carro, por exemplo), além de resoluções sobre os ramos de seguros de pessoas, automóveis e grandes riscos também.
“Terá que ser feito com muita rapidez e no primeiro semestre, porque as seguradoras precisarão de um tempo para se adaptar e a lei foi generosa dando o prazo de vacância de um ano”, aponta o advogado.
Para Jaqueline Suryan e Marcella Hill, advogadas sócias de Seguros e Resseguros do escritório Campos Mello, a nova lei pode representar desafios para o setor.
“Nos preocupa o fato de que a lei não distingue claramente os seguros massificados dos grandes riscos. O comprador de um seguro de grande risco é muito diferente do comprador pessoa física”, alega Hill, o que pode engessar o mercado e aumentar os custos operacionais. “Esperamos que essa nova lei não traga empecilhos para a continuidade do desenvolvimento do mercado brasileiro”, complementa.
Na análise de Suryan, apesar de a lei ser bastante protetiva com o consumidor, deixou um ponto relevante sem aprofundamento, que é a responsabilização também do corretor de seguros no esclarecimento do que é vendido ao consumidor.
Isso porque, diz Suryan, muitas vezes a pessoa física acaba não compreendendo direito o que está adquirindo. “O que vemos muitas vezes, principalmente em questionamentos perante o judiciário, é uma subscrição não esclarecida das pessoas, que não sabem exatamente o que estão contratando ou achavam que tinha cobertura e não tinham. A responsabilidade de tudo isso nunca foi partilhada com o corretor”, observa a advogada.
Fonte:InfoMoney