Lei sancionada propõe novas regras contratuais entre seguradoras e segurados; efeitos positivos devem ser equilibrados para ambas as partes

Em um momento de intensa transformação nas legislações brasileiras, o setor de seguros segue movimentando cifras expressivas, representando cerca de 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg). Nesse contexto, o Marco Legal dos Seguros surge como tentativa de modernizar as práticas e alinhar o mercado aos padrões internacionais. Entretanto, para as seguradoras, as alterações propostas podem apresentar desafios com impacto direto na operação e na sustentabilidade da atividade.

Sancionada no início de dezembro de 2024, a Lei nº 15.040/2024 redefine regras contratuais, modifica os direitos e deveres das partes envolvidas e estabelece um sistema mais rígido de supervisão e transparência. Dentre as principais mudanças propostas, ficam proibidas cláusulas que permitam o cancelamento unilateral de contratos pelas seguradoras, exceto em casos muito específicos previstos em lei. Embora essa medida tenha sido celebrada como uma proteção ao consumidor, ela limita a capacidade das companhias de gerenciar adequadamente carteiras de risco, especialmente em casos de má-fé ou fraudes.

Outra mudança observada é o reforço à regulamentação do resseguro, que garante respaldo financeiro em situações de crise. Na teoria, a mudança soa como positiva, mas, em termos gerais, impõe um ônus adicional às seguradoras, que precisarão assegurar a robustez de seus contratos com resseguradoras, mesmo em contextos de instabilidade econômica.

Dentre os benefícios, o Marco promete proporcionar maior previsibilidade ao setor, com contratos mais claros e regulados. A padronização tende a reduzir disputas judiciais, que hoje são um dos maiores entraves para conquistar consumidores. Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas, realizado em 2023, mostra que apenas 10% da população brasileira tem algum tipo de seguro. Nesse sentido, a centralização das garantias e a normalização mais rigorosa podem melhorar a relação com os consumidores e fortalecer a imagem das seguradoras.

Contudo, é impossível ignorar os desafios. A obrigatoriedade de cumprir regras rígidas sobre o cancelamento de contratos pode comprometer a capacidade das empresas de mitigar riscos em carteiras de alta sinistralidade. Além disso, a supervisão mais intensa pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) aumentará os custos operacionais, exigindo investimentos em tecnologia, conformidade e capacitação de equipes.

Outro ponto sensível é a questão da insolvência. A nova legislação prevê que, em caso de falência de uma seguradora, as resseguradoras deverão assumir os pagamentos diretamente aos segurados. Embora essa medida proteja os consumidores, acaba transferindo para as resseguradoras uma responsabilidade que nem sempre será fácil de gerir, especialmente em contextos de crise financeira global. Para as seguradoras, isso pode significar a necessidade de revisar acordos de resseguro, possivelmente encarecendo as operações.

Há também a necessidade de um aprimoramento contínuo na gestão de riscos e compliance por parte das seguradoras. As novas exigências regulatórias demandam investimentos constantes em tecnologia e treinamento de pessoal para garantir que as práticas estejam em conformidade com a legislação. Essa modernização, embora benéfica para a confiabilidade do setor, pode representar um desafio para empresas menores, que enfrentam maior dificuldade em absorver esses custos sem repassá-los ao consumidor. Assim, o equilíbrio entre a proteção dos segurados e a viabilidade das operações deve permanecer como prioridade na aplicação prática da nova legislação.

Não há dúvidas sobre os efeitos positivos com a aprovação do Marco, em especial para os consumidores que ainda apresentam resistência em garantir a proteção de seus bens. Porém, a legislação, ao ampliar direitos dos consumidores, precisa evitar um desequilíbrio que inviabilize a operação das seguradoras. Um exemplo prático são os prazos e critérios para análise de sinistros. Embora a intenção seja agilizar o processo, a rigidez dos prazos pode levar a decisões precipitadas ou a pagamentos indevidos, aumentando os custos e o risco de fraudes.

Ademais, a ampliação das responsabilidades das resseguradoras pode criar disputas entre seguradoras e resseguradoras, gerando novas camadas de complexidade jurídica. Em mercados nos quais o equilíbrio econômico é essencial para a sustentabilidade, qualquer incerteza jurídica tende a desincentivar investimentos e reduzir a competitividade.

É nesse aspecto que a rigidez excessiva na proteção ao consumidor, embora bem-intencionada, pode desbalancear a relação entre seguradoras e segurados. A impossibilidade de rescindir contratos unilateralmente, mesmo em casos de risco elevado, é um exemplo de como o Marco pode gerar insegurança jurídica. Em situações de fraude ou omissão de informações por parte do segurado, as seguradoras podem ser obrigadas a manter contratos prejudiciais, acumulando prejuízos e, em última instância, impactando o equilíbrio econômico-financeiro do mercado.

A aprovação do Marco Legal é um passo necessário, mas ainda incompleto. Para que ele cumpra seu objetivo de modernizar e fortalecer o setor de seguros, será essencial que a regulamentação seja aplicada com equilíbrio, respeitando tanto os direitos dos consumidores quanto as necessidades das seguradoras.

O sucesso dessa iniciativa dependerá da capacidade do governo e dos reguladores de criarem um ambiente de negócios que incentive a competitividade e a inovação, sem sobrecarregar o setor. Só assim poderemos transformar o mercado de seguros em um sistema eficiente para proteger a sociedade e impulsionar o desenvolvimento econômico no país.

Fonte: Monitor Mercantil Digital online