Quando decidiram contratar um seguro de vida em 1997, o médico Carlos Alberto Ferreira Menezes, então com 52 anos, e sua mulher, a secretária Maria Elizabeth de Morais Menezes, 45, queriam proteger o futuro dos filhos em caso de alguma fatalidade.
O seguro escolhido foi o Ouro Vida, do Banco do Brasil, feito em grupo com outras pessoas de fora do núcleo familiar. O valor do prêmio – pagamentos que os segurados fazem todos os meses- era atrativo: R$ 74,78 para ele e R$ 44,15 para ela, somando R$ 119,03 mensais.
Parecia um bom negócio. Passados 20 anos, porém, o sonho virou pesadelo, e o casal viu o prêmio mensal subir mais de 5.000%, sem que a indenização aumentasse na mesma proporção.
Hoje, aos 79 e 72 anos, as parcelas somam R$ 6.084,82, superando a renda de poucos mais de R$ 5.000 vinda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
“Seguro de vida é um instrumento importante de independência financeira”, afirma especialista
A indenização, porém, segue sendo corrigida pela inflação medida pelo IGP-M (Índice Geral de Preço – Mercado) e garantiria pouco mais de R$ 690 mil aos dois.
O motivo para um reajuste desse porte recai em uma alteração contratual feita em 2002, mal comunicada à época, segundo os aposentados. A nova cláusula previa reajuste das parcelas mensais por idade, e, passados anos, o valor do prêmio se tornou algo que consome toda a renda do casal.
Cálculos encomendados a um escritório de contabilidade apontam para um reajuste de 250.000% até 2045, com pagamentos mensais em torno de R$ 300 mil ao mês, caso não haja nenhuma alteração na minuta.
O casal foi à Justiça em 2020 e, desde então, trava uma batalha com a BrasilSeg, responsável pelo seguro. O caso foi julgado como improcedente na primeira instância. A família irá recorrer.
Sobre o caso, a seguradora afirma que todas as mudanças contratuais no período de renovação, em 2002, “observaram as leis, a jurisprudência e o contrato”, e que mais detalhes não serão compartilhados por respeito à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
“Apólices de seguros de vida em grupo são temporárias e as renovações estão sujeitas a uma reavaliação de cenários, considerando que os riscos predeterminados a que os interesses segurados estão submetidos são, por natureza, dinâmicos”, diz nota enviada à Folha.
“Por fim, a companhia reitera a sua preocupação em oferecer valores comumente praticados no mercado e reforça o seu compromisso em oferecer um caminho de proteção, tranquilidade e suporte contínuo a todos os clientes.”
A Susep (Superintendência de Seguros Privados, autarquia responsável pela fiscalização e regulação do setor) afirmou que, “ainda que haja reajustes etários nos prêmios do seguro de vida, estes precisam ser divulgados previamente aos consumidores”.
“Desta forma, evita-se que o segurado seja surpreendido com um aumento com o qual não esperava ou para o qual não estava preparado.”
O caso dos aposentados não é isolado. Entenda abaixo quais são os pontos de atenção na contratação de um seguro de vida.
O seguro de vida é um contrato que protege financeiramente os dependentes do segurado caso ele venha a óbito, se envolva em algum acidente, contraia uma doença grave e/ou fique inválido, permanentemente ou temporariamente. Os eventos cobertos pelo seguro, ou “sinistros”, dependem da apólice, assim como o valor da indenização, mas é possível fazer alterações no contrato a cada ano.
O contrato pode ser individual ou em grupo, e os beneficiários podem ser familiares, amigos, colegas de casa, entre outros. Quem decide é o consumidor.
O seguro é como um investimento. Todo mês, o segurado faz aportes para a seguradora, chamados de “prêmios”, e a empresa se compromete em pagar a indenização aos beneficiários em caso de sinistro após cumprimento do período de carência, isto é, do prazo mínimo para que a cobertura passe a valer.
O prazo depende da seguradora e do sinistro. Em geral, mortes acidentais são cobertas desde a assinatura do contrato, mas as empresas podem exigir um tempo mínimo para outros eventos.
“Para mortes por causas naturais, geralmente a carência é de seis meses a um ano, a depender do contrato. Para doenças preexistentes e suicídio, a carência costuma ser de dois anos”, explica o advogado Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em direito empresarial e societário.
Se tudo estiver em ordem, a seguradora tem até 30 dias após o sinistro para pagar a indenização, de segundo regras da Susep. Caso esse prazo seja ultrapassado, a empresa deverá pagar o valor com correção monetária.
“O seguro de vida é um instrumento importante não só para dar mais tranquilidade ao futuro da família na ausência do provedor, mas também como parte de uma estratégia maior de independência financeira”, afirma a educadora financeira Cíntia Senna, sócia-executiva da Dsop, organização com foco na educação de consumidores.
A ideia é que a família consiga se planejar para atingir a independência financeira -ou seja, construa patrimônio o suficiente para pagar todas as despesas sem ter que trabalhar-, e, no paralelo, mantenha o seguro de vida como uma forma de blindagem contra imprevistos.
A principal vantagem é a garantia de estabilidade financeira para os beneficiários. Além disso, ele também pode proteger o próprio segurado de invalidez, caso sofra um acidente que o impeça de trabalhar.
Em algumas apólices, a cobertura pode ser ainda maior, contemplando também custos funerários, despesas hospitalares e até assistência em caso de desemprego.
Entre as desvantagens, a principal é a chamada “progressividade etária” -uma cláusula que permite aumentar a mensalidade do seguro conforme o segurado envelhece, e quanto mais avançada é a idade, maior é a chance de ocorrência de morte por causas naturais ou doenças graves.
Considerando que o seguro de vida normalmente só deixa de ser cobrado em caso de falecimento ou desistência, é um custo que pode pesar no longo prazo.
Outra desvantagem é o rol de sinistros cobertos. Pode ser que, no momento da contratação, o segurado tenha deixado de lado uma cobertura que, depois, se provou necessária. Ou o contrário: que o segurado esteja pagando por mais eventos do que o necessário.
A primeira dica é avaliar o momento da família. “Tem uma renda mensal independente do trabalho? Quantos filhos o segurado tem? Qual a atividade profissional dele e quais instrumentos ele usa para trabalhar? Mãos? Olhos? Ouvidos?”, explica Cíntia Senna.
O segundo passo é calcular qual o valor necessário para que os beneficiários tenham estabilidade financeira. A forma mais fácil de fazer essa conta é pensar o que esse montante significaria caso a família o recebesse hoje.
“É um valor que me faria parar de trabalhar? Como ele seria em renda mensal? Seria o suficiente para fazer a manutenção e a gestão da vida da minha família? Por quanto tempo?”, diz a educadora financeira.
Depois, veja o que é imprescindível para a cobertura do seguro de vida. Vale avaliar a inclusão de doenças que fazem parte do histórico da sua família, por exemplo, ou partes do corpo essenciais para o exercício da sua profissão. E, principalmente, preste muita atenção ao que não é coberto para pesar os riscos.
Em seguida, comece a pesquisar seguradoras com “idoneidade e saúde financeira”, recomenda o advogado Fernando Canutto. “A concorrência é a melhor coisa para o consumidor. A partir do momento que várias empresas oferecem o mesmo produto, eu posso comparar, escolher o que for melhor para mim e negociar com a própria seguradora.”
O advogado também aconselha prestar atenção à progressão dos reajustes dos prêmios mensais, para evitar surpresas desagradáveis, e tomar a decisão com calma, estudando todas as opções possíveis do mercado.
O seguro de vida é um braço de uma estratégia maior de independência financeira. O ideal, segundo Cíntia, é que a necessidade do produto diminua conforme os beneficiários do segurado se organizam para o futuro.
Por exemplo: se a indenização é de R$ 500 mil, e a família conseguiu reunir R$ 100 mil de patrimônio, vale diminuir a indenização para R$ 400 mil no ano seguinte, quando for o momento de renovar a apólice.
“Assim como o seguro do carro, nós contratamos o seguro de vida torcendo para não usar. Mas o principal sinistro dele, a morte, é o único que é um evento certo. Nós desembolsamos um valor para não correr o risco da família ficar desestruturada na ausência do provedor, mas o ideal é que a necessidade do seguro de vida diminua conforme a família se fortalece na independência financeira.”
O consumidor tem direito à informação. O contrato deve ser claro, com todas as cláusulas pactuadas por escrito, sem margem para dúvida
Ione Amorim
economista e coordenadora do Idec
Ainda existe a modalidade de seguro de vida resgatável, que permite que haja o ressarcimento total ou parcial dos prêmios já pagos, reajustados conforme a inflação, caso o segurado queira desistir. É uma solução para quem pensa em diminuir a dependência dele aos poucos.
A especialista, porém, recomenda cautela com produtos assim. “São dois em um, com finalidade de seguro e de aplicação financeira. Minha recomendação é deixar as finalidades separadas, porque vou pagar mais caro no seguro, já que ele é resgatável, e vou ganhar menos no retorno financeiro, porque é um seguro”, afirma.
Também vale prestar atenção às cláusulas do contrato, sobretudo sobre reajuste dos prêmios mensais. Estime quanto desembolsará a partir de uma certa idade -o produto costuma encarecer após o segurado completar 60 anos- e faça cálculos junto a um escritório de contabilidade, se puder. Isso ajuda a estimar se o prêmio mensal será difícil de honrar no futuro e se o produto vale o investimento.
De acordo com Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o contrato do seguro de vida deve ser claro e explícito.
“O consumidor tem direito à informação. O contrato deve ser claro, com todas as cláusulas pactuadas por escrito, sem margem para dúvida. E todas as correções [dos prêmios mensais] devem ser claras, também, para que o consumidor saiba o que está contratando”, afirma.
Ela ressalta que as coberturas devem estar por escrito, assim como as situações que o seguro de vida não vai cobrir. Em alguns casos, as seguradoras pedem exames médicos antes da contratação, e eles também devem estar no contrato, além de mudanças de cobrança ou eventuais alterações na cobertura.
“A maioria das pessoas não lê o contrato do seguro de vida, e o consumidor precisa ficar muito atento a isso, especialmente sobre as coberturas que ele tem e não tem. O direito do consumidor parte da premissa que tudo que está no contrato foi lido e acordado pelo segurado”, diz ela.
Em alguns casos, as seguradoras podem se negar a cobrir determinados eventos ou doenças, muito amparadas por um contrato nebuloso.
“O consumidor é protegido pelo que consta na apólice e pelo direito à informação. Quando não há clareza, o consumidor deve recorrer à Justiça”, afirma Amorim.
Entre 2020 e 2021, por exemplo, muitas seguradoras se recusaram a indenizar beneficiários de mortos por Covid-19, já que “morte por pandemia” não era um risco previsto.
O TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), porém, determinou o pagamento da indenização para uma beneficiária que perdeu o marido pela doença. O magistrado julgou o caso a partir do Código de Defesa do Consumidor. Para ele, a seguradora não comprovou que cumpriu o dever de esclarecer a cláusula excludente de cobertura.
Outros casos também são cobertos pelo Código de Defesa do Consumidor. Ione afirma que reajustes de prêmio abusivos e mal comunicados também são proibidos, já que “o seguro deve ser benéfico ao segurado”. Isso se enquadra no preceito de “onerosidade excessiva”, que é quando há um desequilíbrio econômico no contrato depois que ele foi firmado.
“Sobretudo se os reajustes não são justificáveis, se o contrato não segue um índice oficial de correção ou se ocorreu troca de indicador de forma unilateral.”
Doenças terminais também podem gerar discussão. “Se a empresa se recusa a indenizar por não considerar uma doença terminal, também vale procurar a Justiça. A seguradora não tem a competência para isso, e pode até acionar os sistemas de saúde para avaliar, mas ela não tem o poder de determinar se é terminal ou não é.”
O contribuinte que contrata um seguro de vida não precisa declarar, no Imposto de Renda, os pagamentos mensais feitos para a seguradora. O motivo, segundo Adriana Ruiz Alcazar, sócia da Seteco Consultoria Contábil, é que esses pagamentos não garantem dedução do IR.
Já quem recebe uma indenização de seguro de vida deve declarar o rendimento, que é isento do imposto. Os valores são declarados na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”, no campo específico para o seguro.
“Não declarar o valor recebido poderá fazer com que sua declaração entre no processo de análise da Receita Federal [malha fina], até que o contribuinte promova a regularização”, afirma a especialista.
Fonte: Folha.com | Últimas Notícias