O setor de seguros no Brasil apresenta ao Congresso nesta quarta-feira (17) a sua proposta de amparo financeiro emergencial para vítimas das fortes chuvas, que têm crescido no Brasil. Inspirada em alternativas similares adotadas em outros países, a medida foi batizada de seguro social contra catástrofes e será detalhada na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

A nova modalidade foi desenhada para funcionar como uma renda adicional às famílias prejudicadas por eventos extremos, como enchentes e deslizamentos, explica o economista Dyogo Oliveira, presidente da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras).

O seguro garantiria um dinheiro extra, de uso livre, para que as pessoas possam se alojar em um lugar melhor, comprar comida, medicamento ou roupas, o que considerassem mais importante.

Segundo dados consolidados pelo setor de seguro, em 2023 foram registrados 1.100 desastres naturais no Brasil —média de três por dia, concentrados em capitais e regiões metropolitanas.

“Aqui no Brasil, todo ano, a gente tem problemas com enchentes. Cada ano é num estado diferente. Num ano é Pernambuco, no outro, Bahia, Rio Grande do Sul. Agora, teve no Espírito Santo. Já teve em São Sebastião”, afirma Oliveira.

“A história é sempre a mesma: chuva, deslizamento, enchente, gente desabrigada e uma resposta improvisada. A população é supersolidária, faz doações, se mobiliza, mas o fato é que as vítimas ficam desamparadas porque não há uma estrutura pública para socorro emergencial capaz de uma resposta organizada. Defesa Civil, governos saem correndo para resolver.”

O ponto de partida para a proposta da CNseg foi o projeto de lei 1.410/2022, da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), ainda em tramitação. Essa proposta cria um seguro obrigatório de danos pessoais e materiais causados por desastres naturais relacionados a chuvas inspirado no DPVAT, de veículos. Os recursos ficariam sob a gestão de um fundo, que faria repasses a prefeituras e seguradoras quando necessário.

Segundo Oliveira, a proposta da entidade mantém a obrigatoriedade na contratação do seguro, mas a gestão dos recursos seria privada e pulverizada. Todas as seguradoras interessadas em trabalhar com o produto poderiam oferecê-lo.

A liberação do dinheiro seria descomplicada. Bastaria que a prefeitura indicasse a área afetada pelo desastre para que a seguradora depositasse o dinheiro, via Pix, na conta do beneficiário.

Está previsto o pagamento de um valor fixo de R$ 15 mil por residência afetada. Haveria adicional de R$ 5.000, o que elevaria o valor para R$ 20 mil, em caso de morte. O chamado prêmio, valor cobrado mensalmente, seria da ordem de R$ 3.

O CNseg já apresentou a sua sugestão para governadores de estados que sofreram com chuvas torrenciais, como o Rio Grande do Sul, e para Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

Pontos da proposta levantam questionamentos. O maior deles é a forma de cobrança, que ocorreria pela conta de luz. Como a tarifa de energia no Brasil está carregada de encargos que são alvo de críticas dos especialistas, a simples menção da conta de luz já provoca desconfiança.

Oliveira reforça que não haveria aumento da tarifa de energia, apenas a inclusão dessa cobrança no boleto. “A conta de luz seria apenas o veículo de cobrança, e também um localizador da residência afetada”, diz.

De acordo com o executivo, o grupo de trabalho da CNseg, responsável pela modelagem do novo seguro, avaliou inúmeras alternativas de cobrança, que se mostraram deficientes.

O boleto bancário tem um custo, que a depender do banco superaria o valor da mensalidade do seguro. A inclusão da cobrança no IPTU não teria efeito universal, uma vez que inúmeros municípios não cobram esse imposto. O mesmo vale para a conta de telefone, já que é grande o número de celulares pré-pagos.

Outro ponto que causa desconforto é a cobrança universal. Por que alguém que não está em área de risco deve pagar por um seguro que não vai usar?

“A cobrança universal funcionária para redistribuir os custos sociais das mudanças climáticas. Os mais pobres emitem menos e contribuem menos para a mudança climática, mas moram nas áreas de risco e sofrem as consequências”, afirma Oliveira.

Também fica o desconforto com o fato de o cidadão, que já paga impostos, ter de arcar com uma assistência que é de obrigação do Estado, mas sempre colocada em segundo plano. No ano passado, por exemplo, o governo Lula (PT) destinou R$ 1,05 bilhão para lidar com as consequências de desastres e apenas R$ 36 milhões para iniciativas que buscam evitar os problemas.

Segundo Oliveira, o seguro é uma alternativa complementar a ações de governos em inúmeros países, tanto que, para redigir suas propostas, a CNseg avalia seguros criados contra eventos naturais extremos em países como Japão, México e Chile.

Dentro do escopo das mudanças climáticas, a CNseg também vai propor o Fundo do Seguro Rural, para elevar a proteção do agronegócio. Em 2022, por exemplo, os eventos climáticos provocaram R$ 8,9 bilhões em indenizações, o maior montante da história do seguro agrícola e uma alta de 63,9% em relação ao ano anterior.

Também está formatando um seguro para infraestrutura pública das cidades, que, nesse caso, seria contratado por um ente público.

O projeto, ainda em fase inicial de modelagem, foi anunciado na COP28 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), em Dubai, e é desenvolvido em parceria com o Iclei, associação mundial de governos locais e subnacionais dedicada ao desenvolvimento sustentável.

EM SITUAÇÃO DE RISCO

Brasil sofre perdas com mudanças climáticas

1.942 cidades têm pessoas vivendo em áreas propensas a deslizamentos de terra e enchentes:

  • 50% da população de Salvador
  • 17% da população de Belo Horizonte
  • 13,4% da população do Recife

93% dos municípios tiveram emergência ou calamidade pública com eventos climáticos nos últimos dez anos

2,2 milhões de moradias foram danificadas

4,2 milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas em 2.640 cidades

R$ 26 bilhões foi o dano financeiro com a perda de moradias

Fonte: Folha de S.Paulo