O setor de seguros possui uma série de especificidades que tornam este mercado único. Trata-se de um setor bastante fechado e, devido à sua atuação se basear na segurança e proteção de pessoas – e de outras empresas e negócios – algumas transformações acontecem de forma diferente neste mercado. É o caso do ESG. Embora a atuação responsável em termos sociais, ambientais e de governança precise fazer parte de todas as empresas, independente do ramo de atuação, no mercado de seguros ela acontece de forma mais abrangente.
A Superintendência de Seguros Privados (Susep) publicou em junho de 2022 a Circular Nº 666, que trata de requisitos de sustentabilidade, determinando, de maneira obrigatória, que todas as empresas do setor – incluindo sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e resseguradores locais – implementem a gestão dos riscos de sustentabilidade, tenham políticas definidas que tratem deste tema e façam relatórios de sustentabilidade. Estas mudanças precisam fazer parte da gestão e da estratégia de negócios da empresa, devendo ser levadas em consideração em toda a sua atuação. Todos estes requisitos são de adoção obrigatória.
Em um primeiro momento pode parecer muito, mas não é. A Circular 666 se baseia em movimentações e regulamentações que estão acontecendo no exterior, principalmente na Europa, região que é referência no mercado de seguros e onde estão as maiores empresas de seguros.
No exterior nasceu a Força Tarefa para Divulgações Financeiras de Informações Relacionadas com o Clima (TCFD), que determina a realização de estudos de cenário e testes de stress relacionados aos riscos climáticos e seus possíveis impactos nos resultados de companhias de diferentes setores, incluindo o de seguros. O órgão faz parte do Financial Stability Board, o braço operacional de assuntos financeiros do G20.
Além disso, a International Financial Reporting Standards (IRFS) determinou uma nova norma, a IFRS 17, para a emissão de relatórios financeiros, que traz grandes mudanças na apresentação de todas as informações financeiras, exigindo uma série de adaptações, estratégias e, sobretudo, planejamento.
O setor de seguros internacionalmente está bastante avançado na consideração de elementos, gestão e práticas ESG devido a ser um dos setores mais impactados pelas mudanças climáticas e geopolíticas atuais. A Europa lidera a consciência e práticas em sustentabilidade no setor, enquanto a América Latina está na retaguarda mesmo em comparação à Ásia e África, tendo poucas empresas reconhecidas como atuantes em ESG.
Assim, as grandes seguradoras globais contam com:
- Avançados sistemas de diálogo com a comunidade científica, governos, reguladores e entidades climáticas;
- Avançada análise de riscos sobre efeitos da mudança climática e tendências econômicas e seus impactos financeiros;
- Possuem não apenas um relatório de sustentabilidade, mas uma gama de relatórios gerais e temáticos, e em vários casos bibliotecas completas com políticas, estratégias e compromissos;
- Criação e oferta de produtos e serviços sustentáveis;
- Governança de alto nível sobre proteção de dados privados e ciber-security;
- Abordagens de diversidade em inclusão nos seus quadros de funcionários e líderes.
Em face disso, é possível observar que lá fora o ESG está avançando a passos mais largos e, portanto, novas normas devem ser aprovadas aqui no Brasil. A Circular 666 é apenas o início desse processo de evolução das seguradoras com relação a ESG. Ela será expandida. Por isso, é necessário que o benchmarking seja uma estratégia mais abrangente, preparar a empresa para os desafios futuros, olhar para a frente.
Conforme um cliente de uma companhia de seguros afirmou, implementar as normas da 666 é “o mínimo necessário”, o mais complicado é ter uma visão de longo prazo estabelecida e uma ambição de médio prazo clara, alinhadas e compartilhadas por todos na companhia. Criando de fato, uma estratégia que integre ESG ao negócio e seja incorporada à Cultura da empresa, a maneira como todos pensam, se comportam e tomam decisões na empresa. Atender a regulamentação é urgente, é necessário, é um processo considerável de evolução para o setor, mas ainda não é suficiente. Mas como implementar uma transformação ESG real em empresas do mercado de seguros?
Em minha experiência de mais de 20 anos em consultoria, muitos deles na área de seguros e atuando com benchmarking no mercado de seguros nacional e internacional, vi que um processo de transformação ESG nestas companhias é muito mais amplo.
Na Evolure, nossa visão sobre ESG envolve três requisitos: material, estratégico e transformacional. O requisito material está totalmente ligado à Circular, porque o texto traz iniciativas que precisam ser implementadas na prática, trata de instrumentos para que o ESG ocorra. Já o estratégico envolve algo mais amplo que é pensar o negócio de maneira geral, sua gestão, o que é mencionado pela Circular, mas não se discute o “como” fazer isso. O transformacional determina que o ESG precisa ser incorporado ao dia a dia da empresa, preparando-se para os desafios que estão por vir. Esta é a parte mais complexa do processo, porém é justamente ela que garante que o que foi desenvolvido apenas “no papel” vire realidade no dia-a-dia da empresa.
Diante do cenário e das características do mercado de seguros, trabalhar o ESG é uma tarefa para ontem, totalmente urgente. Ele tem impacto direto no funcionamento das empresas do setor, mas precisa de uma proposta que traga todos os requisitos, seja mais abrangente, estratégica e transformacional. Não é suficiente aguardar as novas normas e resoluções e “apagar o incêndio”. Mais do que nunca é hora de olhar para a frente, para aquilo que está acontecendo em outros mercados e estar preparado. É um momento de desafios, mas também de grandes oportunidades, com a chance de modernizar o mercado e torná-lo uma peça fundamental para a criação de um mundo social e ambientalmente mais responsável.
Fonte: Revista Cobertura