Os seguros para grandes riscos, os seguros massificados e o princípio da isonomia Ilan Goldberg e Guilherme Bernardes O milenar princípio da isonomia nos ensina, de maneira aristotélica, que aos iguais deve ser aplicado tratamento igual e aos desiguais, tratamento desigual, na exata medida em que se desigualem.
Na quadra legislativa contemporânea, o tratamento empregado aos seguros para questões de ordem contratual ancora-se, essencialmente, em dois diplomas legais: o Código Civil (arts. 757 a 802) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) que, em seu art. 3º., § 2º, expressamente possibilitou qualificar as relações jurídicas securitárias como de consumo.1
Consequentemente, abrem-se duas vias de tratamento legal, quais sejam: a primeira, vertida aos seguros classificados como de grandes riscos; e, a segunda, dirigida aos seguros chamados massificados. Os primeiros trazem relação entre partes hipersuficientes, dotadas de plenas capacidades técnica, econômica e jurídica, para que, com clareza, saibam o que estão contratando2 3; os segundos, por outro lado, ilustram relações marcadas pela hipossuficiência dos aderentes, a justificar, assim, o tratamento protetivo.4
Ao intérprete, portanto, os dois caminhos referidos indicam como lidar com as querelas havidas nesses dois grandes grupos de contratos de seguros. Se se estiver diante de relação paritária, recorrer-se-á ao Código Civil, especialmente, aos artigos 421 a 424, que cuidam, respectivamente, da função social dos contratos, boa-fé objetiva, da aplicabilidade do chamado contra proferentem quando houver cláusulas ambíguas ou contraditórias, e, ainda, ao regime de nulidade de cláusulas que impliquem na renúncia antecipada a direitos resultantes da natureza do negócio jurídico celebrado.
O outro caminho, como sinalizado, também ensejará a aplicação dos artigos 757 a 802 do Código Civil, e, adicionalmente, dos remédios previstos na legislação consumerista para fins de reequilibrar a relação desenvolvida entre as partes contratantes. Entre outros, tem-se a inversão do ônus da prova (art. 6º., inc. VIII), a adoção de um rol amplo de cláusulas consideradas abusivas (art. 51), a desconsideração de personalidade jurídica submetida a pressupostos menos exigentes (art. 28) etc.
Entende-se que assim os “compradores” de seguros, sejam eles consumidores propriamente ditos (segundo a definição prevista na lei 8.078/90) ou não, encontram no ordenamento jurídico brasileiro soluções para problemas decorrentes do descumprimento de contratos pelas seguradoras (responsabilidade contratual) e, também, soluções para problemas outros, afetos à responsabilidade extracontratual.
Ilustrando o ora exposto, compradores de seguro automóvel, residencial e vida – i.e., consumidores – encontrarão na conjugação do Código Civil com o Código de Defesa do Consumidor um norte à solução de seus problemas, o que, inclusive, conforme já salientado, decorre da previsão expressa contida no art. 3º., § 2º, da lei protetiva. Por outro lado, em não se tratando de relação de consumo, a solução não poderá ser buscada no Código de Defesa do Consumidor, sob pena de, como se observa tão claramente, oferecer tratamento igual aos desiguais – e, assim, violar o princípio da isonomia.
Fonte: Migalhas