Modelo e influencer relata as angústias e o impacto da perda do imóvel que comprou há cinco anos e que pertenceu ao ex-Beatle

Luca Castellani, 27, diz ter dormido os últimos cinco anos na cama que pertenceu a John Lennon (1940-1980). O móvel era uma das relíquias da propriedade que o mineiro adquiriu em 2021 em Mulholland Drive, em Los Angeles.

A casa é uma das 10 mil destruídas pelos incêndios que transformaram Los Angeles em um cenário de guerra. O modelo e influencer brasileiro tinha como vizinhos Lenny Kravitz e Paris Hilton, que também teve sua mansão consumida pelo fogo.

Nascido em Belo Horizonte (MG), Castellani mora em Los Angeles há sete anos, depois de uma bem-sucedida carreira na Europa, onde trabalhou para marcas como Prada, Gucci e Moschino. Aos 17, mudou-se para Londres, onde chegou a cursar administração no King’s College.

Com 1,8 milhão de seguidores no Instagram, virou influenciador e deu início a uma exitosa trajetória de empreendedor, com uma marca de multivitaminas e energético. Ele acaba de entrar na lista da Forbes Under 30, como um dos jovens mais promissores na sua área de atuação.

A seguir, Castellani relata como essa vida de glamour e sucesso foi afetada pelas chamas que transformaram um patrimônio de US$ 5 milhões (R$ 30 milhões) em cinzas.

“Era o meu lugar no mundo. Além do patrimônio, tinha as memórias, os porta-retratos, os álbuns, presentes de mãe e da avó. Perdi minhas fotos de criança. Não tive o cuidado de digitalizá-las. Foram a maior perda.”

“Os incêndios começaram 10h da manhã em West Hollywood. Com os ventos, as chamas se espalharam de maneira muito rápida. Virou o que eles chamaram de um tornado de fogo. Eu morava nas montanhas, minha casa ficava bem no topo da Mulholland Drive. É uma área florestal, um lugar lendário.

Eu só deixei a minha casa por volta das 8h da noite. Fui teimoso. Estava no estúdio gravando meu primeiro filme. Comecei a receber os avisos, mas sempre tem aquela arrogância: ‘Ah, não vai acontecer comigo’. Afinal, todos os anos tem incêndios em LA.

Saí do estúdio por volta das 18h30, parei para fazer algumas coisas antes de cumprir a ordem de evacuação. No caminho, havia muita fumaça. A ficha caiu. Cheguei em casa, coloquei meu computador e meu iPad numa mochila. Nem pensei em pegar passaporte.

Só levei uma malinha pequena, com algumas roupinhas, cuecas. O fogo estava perto, mas tinha que queimar uns três vales até chegar ali. Pensei: ‘Vão controlar’. Se o fogo chegasse até lá, a cidade inteira teria queimado. E foi o que aconteceu.

Fui para a casa do meu namorado em Santa Mônica. Acordamos cedo e minha casa ainda estava lá. Acompanhava a situação por um aplicativo, o Watch Duty, criado por bombeiros aposentados.

No dia seguinte, a casa do meu namorado também precisou ser evacuada, porque o fogo já tinha queimado parte de Malibu. Uma coisa que ninguém imaginava. A qualidade do ar estava ruim, era difícil respirar.

Um amigo dele decidiu sair da cidade, e fomos com ele para Aspen, no Colorado. Durante o voo, por volta da 17h, comecei a receber um alerta de que a área da minha casa estava em chamas. Fui controlar as câmeras na internet, mas já estavam sem sinal.

Bateu uma angústia porque imaginei minha casa pegando fogo. Passei o resto da viagem chorando. Quando cheguei em Aspen, tive a confirmação do Corpo de Bombeiros. Eles enviam um email para os proprietários. “Infelizmente essa casa está em situação inabitável.” Eles não falam que sua casa pegou fogo.

Os incêndios já tinham escalado por uma situação gigante. LA virou um inferno de fogo, um caos como numa zona de guerra.

Você ainda fica tentando negar. Não é possível, talvez tenha sobrado algo. Só sobrou mesmo a lareira, a única coisa que ficou de pé na casa [se emociona].

O distrito inteiro foi dizimado. Muita gente quer ver se sobrou alguma coisa, talvez o cofre com joias. É perigoso voltar em meio aos estragos.

Felizmente, eu tenho outra casa em West Hollywood, que coloco para alugar pelo Airbnb. Foi lá que Anitta fez a capa da L’Officiel Brasil. Essa casa virou minha fonte de renda quando comecei a não trabalhar tanto como modelo.

Quando decidi mudar pra Los Angeles, investi todo o meu dinheiro no mercado imobiliário. Tenho a sorte de ainda ter um lugar para ir. Muita gente não tem. Estou trabalhando como voluntário para ocupar minha cabeça. Tem gente dormindo no carro, na casa de amigos. Foram mais de 16 mil estruturas queimadas, sendo 10 mil casas.

Eu tenho um teto, mas choro com pequenas coisas, que vão quebrando seu coração, como querer dormir com seu travesseiro.

É uma tragédia sem precedentes na história dos Estados Unidos. Sei que vai demorar cerca de um ano para receber o seguro. Ainda não pude fazer a perícia, as fotos, os vídeos que têm de ser feitos.

Tenho que correr atrás da burocracia. É um dano total de mais de US$ 58 bilhões. As seguradoras vão tentar não pagar porque é uma coisa da natureza, não foi um incêndio causado por um fogão que explodiu.

Comprei essa casa que queimou em 2019, quando ia fazer 23 anos. O proprietário que comprou do Lennon passou a casa para o filho, que vendeu a casa para uma terceira pessoa de quem eu comprei. A casa tinha alguns móveis originais. A cama era a mesma do John Lennon, que foi restaurada, pois tinha cupim na madeira.

Eu dormia na cama do John Lennon. Isso não tem seguro que cubra, né? A história da casa realmente se perdeu, o que é uma pena. Era uma construção antiga, no estilo mid-century modern, tinha 3.500 square feet [325 metros quadrados].

Era uma casa confortável, num bairro nobre, na faixa de US$ 5 milhões, cerca de R$ 25 milhões na época. Nos Estados Unidos, é o tipo de imóvel que a maioria da população de classe média alta consegue acessar. Financia com taxas de juros muito baixas.

Minha casa era o meu porto seguro. Hoje não tenho mais aquele lugar para onde voltar, mas guardo comigo as memórias de tudo legal que vivi lá. Seis amigos moraram comigo durante a pandemia. Um deles tinha uma condição financeira precária. Não conseguia nem comer no McDonald’s. Hoje tem 20 milhões de seguidores no TikTok e uma vida incrível.

O aprendizado que fica disso tudo é realmente manter as memórias, dar valor à vida e ser feliz independentemente de ter a casa que foi do John Lennon ou morar de favor com um amigo. Temos que seguir em frente, porque a vida é de altos e baixos.

Eu nunca tinha tido todo esse luxo antes. Quando fui viver fora do Brasil, eu dividia uma casa com 20 modelos. Em LA, tinha me acostumado com conforto. E talvez estivesse apegado naquilo. Então, desapego é uma grande lição. Focar nas experiências, nos amigos, nas pessoas que te dão valor e suporte. Esse é o aprendizado disso tudo, porque é o que sobrou.”

Fonte: Folha de São Paulo