Nuno Matos levanta a questão das vantagens do acesso a dados de condução de veículos segurados para se obterem tarifas mais justas para os seguros automóvel.
Na era da digitalização, o setor segurador tem a oportunidade de utilizar dados em grande escala para adaptar as apólices ao perfil específico de cada cliente.
No seguro automóvel, a forma como o prémio é calculado já reflete uma segmentação baseada em características individuais, como idade, área de residência, tipo de veículo, profissão, entre outros. Esses elementos são conhecidos como “fatores de tarifação”, características que ajudam a estimar o risco de cada segurado.
Paralelamente, existem os chamados “fatores de risco”, que influenciam diretamente a propensão ao sinistro, como o comportamento ao volante. Contudo, muitos desses fatores são atualmente difíceis ou impossíveis de medir de forma direta.
Para compensar essa lacuna, as empresas de seguros recolhem informações sobre fatores observáveis (v.g., empresa/particular, idade do condutor, anos de carta de condução, profissão, área de residência, gasolina/gasóleo/híbrido/elétrico, idade do veículo, cor do veículo, rácio entre peso e potência, etc.), que funcionam como proxies para comportamentos de risco mais difíceis de capturar diretamente, como a agressividade ao volante. Dessa forma, mesmo sem medições exatas de características individuais como a prudência, as empresas de seguros conseguem ajustar os prémios conforme padrões estatísticos de risco.
A Insurance Europe, federação que representa o setor segurador europeu, tem defendido que a Comissão Europeia priorize a legislação que torne obrigatória a instalação da chamada “caixa negra” em cada veículo. Essa medida poderá abrir a possibilidade das empresas de seguros virem a ter acesso regulamentado aos dados gerados, possibilitando a criação de modelos tarifários mais justos, baseados em dados reais de uso e comportamento dos condutores.
Com o avanço tecnológico e o surgimento de novas modalidades de mobilidade, as empresas de seguros enfrentam uma pressão crescente por inovação em tarifação. Sem o acesso a dados em tempo real sobre a utilização dos veículos, como condições de uso e padrões de condução, o setor enfrenta limitações significativas para oferecer preços ajustados ao perfil de risco de cada cliente.
O acesso a dados de veículos possibilitaria a implementação da “tarifação dinâmica”, ajustando os prémios de seguro de acordo com o comportamento do condutor e o uso do veículo em tempo real, permitindo que as empresas de seguros criassem produtos mais inovadores e competitivos, recompensando condutores prudentes e oferecendo tarifas mais justas e personalizadas. Nesse contexto, os atuais sistemas de tarifação a posteriori (“bonus-malus”) deixariam de ter sentido.
Sem esse acesso, as empresas de seguros europeias ficam em desvantagem, não apenas no contexto local, mas também no cenário global, onde a inovação na mobilidade e na indústria automóvel é cada vez mais rápida. A limitação de dados impede que o setor acompanhe adequadamente essas mudanças, afetando a capacidade de se adaptar a avanços como a condução autónoma.
A Insurance Europe estima que a falta de acesso aos dados dos veículos represente uma perda anual de cerca de 26 mil milhões de euros para o setor segurador. Esse montante poderia ser convertido em tarifas competitivas e produtos mais eficientes. Com uma estrutura tarifária baseada em dados, as empresas de seguros estariam melhor preparadas para ajustar os prémios conforme os riscos associados a cada tipo de veículo e tecnologia, contribuindo para a sustentabilidade do setor e para a satisfação dos clientes.
A proposta de legislação europeia para acesso a dados dos veículos automóveis representa uma oportunidade única para criar um modelo de tarifação verdadeiramente personalizado. A possibilidade de calcular preços que reflitam o perfil real de cada segurado traria benefícios significativos, oferecendo produtos mais alinhados ao comportamento e necessidades dos consumidores e aumentando a competitividade do setor segurador na era digital.
Num mercado em rápida evolução, onde o acesso a dados pode redefinir o futuro dos seguros, a questão que se nos coloca é se estaremos dispostos a abraçar a inovação necessária para construir um setor mais justo e eficiente ou permitiremos que a resistência ao progresso mantenha o potencial por explorar?
Fonte: Diário Digital Portugal