No mês passado, o Brasil ficou assustado ao ver aeroportos, estradas, ferrovias e redes de energia elétrica severamente atingidos pela catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul. Os eventos climáticos extremos acenderam um alerta sobre a necessidade de fortalecimento do setor de infraestrutura que, além de investir em prevenção, precisa contar com uma engenharia financeira capaz de garantir recursos para a reconstrução.
De acordo com o último Boletim de Desastres, divulgado na semana passada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), até o momento os prejuízos relacionados a obras de infraestrutura no Rio Grande do Sul acumulam uma perda de R$ 1,8 bilhão, causada pelas enchentes.
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e o Iclei, associação mundial de governos locais e subnacionais dedicada ao desenvolvimento sustentável, firmaram um convênio para desenvolver um seguro para infraestrutura urbana em relação à incidência climática. A ideia é oferecer um produto que os municípios possam contratar e, com isso, estejam mais preparados para lidar com os incidentes ligados ao clima.
Segundo o diretor de Assuntos Legislativos da Confederação, Esteves Colnago, este já é um modelo comum no Japão, onde há a contratação de seguro para, em caso de calamidade, reconstruir estradas e rodovias. “Esse tipo de seguro é muito mais complexo que o seguro social de catástrofe que estamos discutindo, em que a gente daria uma ajuda financeira emergencial para essas famílias”, afirma.
O projeto modelo, subsidiado inicialmente pelo Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), será implementado, inicialmente, nas cidades brasileiras de Belo Horizonte, Recife e Salvador, municípios que já possuem experiência em parcerias com instituições internacionais. “Estamos tentando desenvolver junto com o Iclei alguns exemplos para a gente começar a explorar essa possibilidade. A nossa estrutura hoje não foi preparada para isso. Em Belo Horizonte, por exemplo, como as ruas têm muitas ladeiras, há uma pulsão de volume de água muito grande quando vem uma chuva mais forte. As ruas, os canais e a cidade não foram preparados. Então é um desafio”, destaca Colnago.
Há uma série de desafios para a implementação do modelo, como questões contratuais, ausências de plantas de obras para reconstrução, além do desconhecimento por parte dos governos. Para a sustentabilidade do produto, o diretor avalia que é essencial o princípio de mutualidade. “No caso de catástrofe, há um ponto muito importante: precisamos ter nesses casos um regime mutualista.
É necessário que esse seguro seja comprado por várias pessoas em várias regiões do país. Eu não posso centrar a minha oferta de seguro em uma área que tem muita sinistralidade, porque o preço não se paga, teria que ser cobrado um valor tão alto que não se justificaria ofertar o seguro.”
“Eu sei que em um ano vai acontecer novamente no Rio Grande do Sul, mas não vai acontecer no Amazonas, no Pará e na Bahia, por exemplo. Com isso eu consigo ter um valor baixo para a apólice e o setor segurador terá os recursos para fazer a reconstrução sem colocar risco. Quando se discute catástrofe, precisamos ter esse olhar mutualista, para não ficar tão caro assim”, explica Colnago. Para o advogado Rafael Marinangelo, pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP e especialista em Contratos de Construção e Processos Licitatórios, é importante se levar em consideração a estruturação de um processo licitatório adequado para adquirir essas apólices de seguro. “Essa iniciativa de obrigar os municípios a terem seguros contra danos climáticos a sua infraestrutura é muito bem-vindo”, avalia.
“Obviamente, é preciso avaliar em que condições serão feitas essas exigências e como vai se contornar eventualmente a falta de capacidade econômica de alguns municípios que são muito pequenos e não teriam condições de arcar com os custos de uma apólice de seguro para isso”,acrescenta.
Obras paralisadas
A aplicação de seguro em concessões para obras é outra modalidade capaz de remediar um problema frequente no país: as obras paralisadas. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado no fim de 2023, o Brasil tem 8,6 mil empreendimentos interrompidos de um total de 21 mil obras existentes. Esse mecanismo já existe, são os seguros garantia, modalidade bastante utilizada em contratos de concessões e Parcerias Público Privadas (PPPs). Se a empresa escolhida para a obra não executar ou atrasar a entrega e conclusão do objeto contratual, a seguradora é responsável por contratar um terceiro que deverá dar continuidade.
De acordo com Marinangelo, há uma diferença entre os seguros realizados para a execução das obras e o seguro para o caso de danos climáticos. “Ambos devem ser feitos pelo poder público para, em caso de destruição da infraestrutura pública, pleitear esse seguro e recompor as estruturas danificadas”, afirma.
Fonte: Correio Braziliense