Nesta segunda-feira (17), um artigo do Valor Econômico, de Guilherme S. Bastos Filho, coordenador do FGVAgro e Renato Buranello, fundador do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA) mostrou que o seguro rural é um instrumento essencial para garantir a sustentabilidade e a competitividade do agronegócio brasileiro diante dos riscos climáticos e de mercado que afetam a atividade. No entanto, para cumprir seu papel de forma eficiente e abrangente, é preciso enfrentar desafios estruturais que permitam o aumento da participação privada e garantam uma oferta de produtos e abrangência geográfica cada vez maior.
Diante disso, a publicação diz que algumas diretrizes já estão em discussão para o próximo Plano Safra com base nas especificidades de cada região, previsibilidade orçamentária e estabilidade de execução da política de seguro rural. Está prevista a criação de um programa de garantia de renda relativo à receita mínima e a reconstrução do seguro baseado em modalidades de riscos e eventos que se enquadrem à complexidade brasileira.
Está ainda em pauta o seguro rural como espécie de instrumento bancário, servindo como garantia capaz de assegurar o cumprimento da obrigação principal, sob a ótica das regras do mercado financeiro, reduzindo a necessidade de garantias adicionais e os juros das operações, aproximando-se do modelo americano.
Contudo, para avançar nas diretrizes é importante conhecer os principais gargalos e as formas de mitigação dos instrumentos que conhecemos e que devem ser acompanhados de análise econômica crítica de eficiência.
A previsibilidade orçamentária para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) é fundamental para o planejamento das seguradoras e dos produtores. O PSR é o principal instrumento de fomento ao seguro rural no país, reduzindo o custo do prêmio ao produtor rural e protegendo-o financeiramente quando há quebras de produção. Porém, esse programa, desde que foi criado, sofre com a instabilidade orçamentária. Para isso acontecer é necessário garantir a obrigatoriedade da aplicação do PSR, transferindo-o para as Operações Oficiais de Crédito. Essa medida evitaria que os recursos para o PSR não fossem contingenciados.
É conhecida a restrição do governo em alocar mais despesas obrigatórias no orçamento. Entretanto, a criação de um orçamento único para o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), racionalizando as despesas com diversas políticas públicas voltadas ao apoio à agropecuária nacional, como a subvenção ao crédito rural, a garantia de preços mínimos, o PSR e o Garantia Safra, permitiria movimentar recursos entre elas, conforme a demanda e as prioridades.
A publicação do Valor também mostrou que se incluirmos o orçamento previsto em 2023 para o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que é administrado pelo Banco Central, esse orçamento único poderia chegar a R$18 bilhões.
Outro ponto sensível para a política de seguro rural é a disponibilidade de dados granulares e atualizados sobre a propriedade rural, a produção agropecuária e as condições climáticas nas diferentes regiões do país. Microdados do Censo Agropecuário estão defasados há mais de 10 anos. Os dados de produtividade das culturas no Brasil são publicados defasagem e em nível municipal.
Essa limitação dificulta o desenvolvimento de novos produtos de seguro rural, mais adequados à realidade dos produtores. Além disso, há uma necessidade de fomentar a integração da rede de estações meteorológicas federais, estaduais e privadas, fundamentais para monitorar o clima e avaliar os riscos e os sinistros. A maior disponibilidade e qualidade dos dados sobre a produção e o clima permitiria inovação e diversificação do seguro rural.
O modelo atual do seguro rural apresenta uma concentração regional de produtos, com maior participação das culturas de grãos no Sul e no Sudeste. Abre-se um debate sobre a necessidade de um novo modelo ou proposição de uma revisão. Segundo o economista-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o processo de revisão e de avaliação do seguro rural é constante, e deve considerar as especificidades de cada país. Portanto, antes de afirmar que o modelo atual está errado, é preciso ter mais elementos e evidências que sustentem essa afirmação, ao buscar formas de promover a diversificação regional e de produtos.
Com sucessivos anos de graves e extensos problemas climáticos, principalmente na região Sul do país, ficou evidente a falta da operacionalização do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR) ou da regulamentação do Fundo de Catástrofe. O FESR, criado em 1966, esbarra na limitação do orçamento público Federal. O Fundo de Catástrofe, de 2010, nunca foi regulamentado nem recebeu recursos.
Uma alternativa proposta é a criação de um novo Fundo do Seguro Rural (FSR), administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente por pessoa jurídica criada para esse fim, da qual podem participar como cotistas a União, sociedades seguradoras, sociedades resseguradoras, empresas agroindustriais e cooperativas. O FSR garantiria cobertura da sinistralidade excedente na modalidade multirrisco. Ele também contaria com aporte inicial do governo federal, além das contribuições das seguradoras e demais participantes. Entretanto, é preciso parametrizar as contribuições para o Fundo, os limites da sinistralidade e as condições para sacar recursos do fundo.
Por fim, e não menos importante, a capacitação e certificação de peritos e corretores. O seguro rural envolve uma complexidade técnica e operacional que exige profissionais qualificados para sua execução. A seca de 2022 testou os limites da capacidade de atendimento das seguradoras e dos peritos, que tiveram que lidar com um volume recorde de sinistros. As cheias do Rio Grande do Sul testarão mais uma vez o sistema.
Para aumentar a cobertura do Seguro Rural, é preciso preparar estruturalmente a indústria com capacitação e certificação de peritos e corretores, principais agentes de difusão e orientação do seguro junto aos produtores rurais.
Fonte: CQCS