Medida havia sido pedido dos estados e constava em minuta, mas foi excluída do texto após ‘avaliação política’ do governo
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recuou e desistiu de propor a possibilidade de estados taxarem recursos aportados em planos de previdência privada transmitidos a beneficiários por meio de herança.
A medida havia sido incluída em minuta do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária. O texto circulou nesta segunda-feira (3) e teve o teor confirmado por integrantes do governo.
Segundo interlocutores do governo, a exclusão foi uma decisão de última hora, tomada por Lula na manhã desta terça. Até a noite de segunda-feira, a medida era dada como certa por negociadores do governo Lula e dos estados.
Nesta terça-feira (4), o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, informou que a taxação dos planos de previdência privada ficou fora do texto final assinado por Lula e publicado em edição extra do Diário Oficial da União.
“O projeto que está indo ao Congresso não trata desse tema. Fica tudo como está hoje”, disse Appy.
Inicialmente, o secretário evitou dizer a razão da exclusão do dispositivo. “Não vou discutir por que foi tirado, o que estou falando é que o que vazou não foi a versão final”, afirmou.
Após a insistência no tema, ele reconheceu que se tratou de uma decisão política. “É um projeto que tem uma avaliação política e foi feita uma avaliação política pelo governo”, disse o secretário. “Uma coisa é área técnica, outra coisa é área política. O que vale é o texto final. Pronto, segue a vida.”
Alguns estados já cobram o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos), de competência estadual, sobre planos de previdência privada do tipo PGBL e VGBL. No entanto, as regras não são homogêneas e enfrentam questionamentos na Justiça.
O objetivo da inclusão no projeto era uniformizar as normas em âmbito nacional e dar maior segurança jurídica à cobrança do tributo. A divulgação da medida teve repercussão negativa.
O coordenador do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal), Carlos Eduardo Xavier, reconheceu que o tema “gerou muita polêmica”.
Apesar disso, ele disse que a retirada do trecho não gera nenhum problema direto aos governos estaduais. Os secretários ainda devem discutir a possibilidade de propor aos parlamentares uma emenda na mesma direção durante a tramitação no Congresso Nacional.
“Foi uma decisão do governo de retirar esse tema. Os estados acataram, não tem nenhuma polêmica em relação a isso, e o processo segue. A gente não gostaria, nem tem essa informação, de fulanizar, mas de fato o texto final vai sem essa previsão”, afirmou.
Xavier não quis antecipar se os governadores vão buscar incluir as mudanças no ITCMD para previdência privada na votação da projeto no Congresso. Segundo ele, os estados precisam antes se reunir para fechar uma posição sobre o tema.
Durante a entrevista de apresentação do projeto no Ministério da Fazenda, o assessor da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, Ricardo Oliveira, defendeu a mudança do ITCMD para a previdência privada e também a elevação da alíquota máxima de cobrança durante a tramitação da reforma tributária da renda e patrimônio.
A proposta, considerada a segunda etapa da reforma tributária, ainda não foi enviada pelo governo Lula ao Congresso, mas foi prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Hoje o teto para a cobrança do ITCMD é de 8%, valor definido pelo Senado Federal.
Oliveira destacou que esse patamar é muito baixo em relação ao que é praticado em outros países, onde o imposto pode chegar até 21%. Segundo ele, cálculos apontam a necessidade de elevação do teto para 21%.
O projeto de regulamentação também mexe nas regras que tratam do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Segundo o secretário-executivo da FNP (Frente Nacional dos Prefeitos), Gilberto Perre, a proposta atualiza as regras para evitar a excessiva judicialização que ocorre com esse tributo. O ITBI é cobrado pelos municípios e pelo Distrito Federal.
Sem dar nenhum detalhe, apesar dos pedidos de esclarecimento da imprensa, Perre admitiu que o projeto fecha brechas para a prática de planejamento tributário por contribuintes de mais alta renda.
O momento de ocorrência do fato gerador passa a ser o da celebração do ato ou do direito real sobre bem imóvel. A base de cálculo será o valor venal, que passa a ser definido com base em dados de mercado. “É [uma proposta] apaziguadora que dará mais clareza”, disse Perre.
O texto do projeto de regulamentação, com quase 200 artigos, define os dois possíveis destinos dos recursos arrecadados com a Cosip (Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública): serviço de iluminação pública e sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos. A Cosip já é cobrada hoje, mas os prefeitos cobravam uma definição em lei da destinação, devido a interpretações diversas dos tribunais de contas.
A maior parte do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária trata do funcionamento do Comitê Gestor que vai administrar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), tributo que substituirá o ICMS (dos estados) e o ISS (dos municípios). As normas tratam também da fiscalização e de como se dará o processo administrativo para os contribuintes recorrerem contra decisões dos fiscos relativas à cobrança do IBS.
Appy disse que há convergência entre estados, municípios e o governo federal sobre 95% do texto.
Um dos pontos em que não há acordo é o aporte que o governo fará de R$ 3,8 bilhões para financiar a implantação do Comitê Gestor. A proposta prevê o ressarcimento do dinheiro corrigido pela taxa Selic, mas os estados discordam da cobrança, segundo o secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo.
A secretária de Fazenda de Alagoas, Renata dos Santos, informou que não há acordo sobre o modelo de substituição tributária, mas ponderou que o saldo é altamente positivo. “É o início de um novo momento para as finanças públicas”, ressaltou.
O secretário de Fazenda do Pará, Renê Junior, alertou para as dificuldades para a implantação do novo IBS e disse que não será tão fácil como alguns apregoam. “Acredito que o trabalho está apenas começando”, afirmou.
Fonte: Folha de S. Paulo