A previdência privada terá um papel cada vez mais relevante enquanto instrumento complementar ao sistema de seguridade social que já vigora em nosso país. As condições restritivas do orçamento público, em função de endividamento e dificuldades de reequilíbrio nos fluxos anuais de receitas e despesas, já são uma realidade. Não é de hoje que a pauta tem sido objeto de discussões e reformas sucessivas, sempre em busca de um equilíbrio mínimo da trajetória da dívida a longo prazo.
Tais dificuldades não derivam apenas de falhas de gestão e alocações de políticas públicas, nem tampouco de uma baixa arrecadação de impostos, – pelo contrário: o Brasil já opera com uma alta carga tributária para os padrões de países emergentes há muitos anos. Mas, o que realmente tarda é a construção de um modelo de seguridade social mais amplo, o que pressupõe protagonismo do setor público.
Dito isso, as condições demográficas projetadas para os próximos anos só intensificam um cenário de recursos mais escassos para atender uma demanda crescente no tempo. Teremos um volume de idosos sucessivamente maior, fruto do aumento da expectativa de vida da população nos últimos anos e do avanço etário de uma geração que tinha a cultura de constituir famílias com muitos filhos. Em paralelo, há um contingente cada vez menor de jovens e de novos entrantes no mercado de trabalho, dada a queda da taxa de natalidade e a novos comportamentos sociais. Sem contar a parcela dos intitulados de nem-nem, que nem trabalham nem estudam.
Em complemento às condições demográficas desafiadoras já expostas, há um mercado de trabalho em rápida transformação, com exigência de constante qualificação, substituição de postos de trabalho por mais automação e aumento da pressão competitiva em diversos setores. Com isso, os ciclos de negócios ficam mais curtos e incertos, o que gera instabilidade de carreiras e de renda e relações trabalhistas mais sensíveis. Frente a essa realidade, há o aumento da mão de obra informal, dos MEIs e dos trabalhadores autônomos, que não possuem os benefícios contratuais do emprego formal.
É sob esse ambiente socioeconômico que a previdência privada se apresenta como um instrumento de crescente relevância. Trata-se de uma fonte complementar de proteção às necessidades que, eventualmente, o sistema público de seguridade social não consiga mais prover. A previdência privada deve ser tratada em todas as proposições de normas e regulações como o seguro de todos os seguros, sendo uma importante fonte de recursos precaucionais para pessoas e famílias.
Os avanços, em especial dos últimos cinco anos, vão nessa direção e têm reforçado a capacidade de entrega de valor dos planos de previdência privada aos seus cotistas, seja durante o período de acumulação de reservas, seja na fase de desacumulação e concessão de renda aos participantes. Esse aprimoramento trouxe mais flexibilidade aos gestores de fundos de previdência, com a ampliação dos limites de alocação em classes de ativos que podem trazer mais retorno e diversificação às carteiras, tais como investimentos internacionais e ações, e em regras mais eficientes para o controle do uso dos instrumentos derivativos. Isso permite, ao mesmo tempo, que haja uma implementação mais estratégica e a garantia do controle efetivo de riscos que preservem a segurança patrimonial dos cotistas.
O resultado dessas melhorias regulatórias resulta na criação de um volume expressivo de novos fundos de previdência privada, na inserção de novos gestores e na oferta de estratégias cada vez mais sofisticadas. Essa evolução permite mais diversificação das reservas e a ampliação das opções para ajustes da alocação ao longo do tempo e conforme os cenários se alterem. Por consequência, a longo prazo, são esperados maiores retornos e expansão de reservas.
Em paralelo aos avanços regulatórios, que foram fundamentais para tornar as soluções de previdência privada mais abrangentes, houve uma alteração natural da dinâmica concorrencial, o que também foi muito produtivo para o poupador. O avanço dos serviços e soluções digitais e a especialização crescente dos assessores e consultores em seguros e investimentos intensificaram ainda mais a concorrência, já acirrada, entre as seguradoras no mercado de previdência privada ao longo dos últimos anos.
Os benefícios para os cotistas da previdência privada têm sido evidentes: mais opções de planos, melhores rentabilidades potenciais, maior especialização de assessores, custos decrescentes e serviços mais resolutivos, seja para manutenção seja para novas transações. Hoje, os debates giram em torno das formas de incentivar e aprimorar a conversão em rendas na fase de desacumulação, tornando as soluções já disponíveis (renda por prazo certo, temporária, vitalícia, com ou sem reversão a beneficiários, entre outras) mais flexíveis e interessantes. O objetivo é prover alternativas que sejam personalizáveis a nova realidade de ciclos de vida mais longos e ciclos laborais não lineares, que podem demandar, por exemplo, um maior número de escolhas e ajustes das rendas desejadas durante uma fase mais extensa de desacumulação.
Além disso, agendas de debates sobre modernização e simplificação das condições para planos corporativos, que hoje tendem a ter mais apelo para empresas de grande porte, que fazem sua declaração de IR por lucro real e que possuem estruturas que viabilizam o custo de observância e operacional de seus planos, também estão vivas. É importante que as legislações e normas sejam dinâmicas e se adequem às estruturas sociais e econômicas que vêm ganhando novas formas com o tempo.
Por fim, aqui não se esgotam as agendas e possibilidades de aperfeiçoamento no uso da previdência privada complementar como funding para uma seguridade social ampliada. Há boas ideias de como potencializar a acumulação na previdência privada para uso futuro em despesas médicas, na fase de desacumulação de recursos ou em eventos extremos, ainda na fase de acumulação, de forma a ser uma fonte adicional de recursos na etapa da vida de custos elevados de forma exponencial em virtude da cauda da longevidade.
Poderia me estender em outras tantas boas agendas de discussão para o uso potencializado do instrumento da previdência privada como fonte complementar aos desafios de financiamento público e privado para seguridade social da nossa população. Mas, o importante é que os avanços continuam ocorrendo, os debates estão vivos e os benefícios para aqueles que têm usufruído dos planos de previdência privada só aumentam e tendem a contribuir cada vez mais com o bem-estar de uma fração, assim esperamos, mais expressiva da nossa sociedade.
Estevão Scripilliti é diretor da Bradesco Vida e Previdência.
Fonte: Valor Investe Online